sábado, 16 de outubro de 2010

"E essa hora que não chega?"

Entre uma nebulização e outra, depois dos remédios tomados e de pedir mais um cobertor para a sobrinha, Ina diz a frase que já lhe engasgava. As tosses, os calafrios, a falta de apetite e a falta do seu amado incomodam a algum tempo.

Também pudera, com 94 anos e a um doente não era de se esperar outra reação que não fosse a vontade de passar. Passar a doença, mas passar a vida de sofrimento. Depois de tanto terminar triste não combinaria com ela.

Fazia tempo que não a via. Era uma velhinha cheia de energia aos 92 anos. Me admirava que conseguisse preparar seu café, contar piadas, varrer a casa e jogar canastra com as irmãs se não todos, quase todos os dias. Lhe contei da minha vida, minhas tias sempre querem saber da minha vida. Tia Ina era um pouco diferente, porque ela lembrava depois.

E lembrou. Mesmo em seu leito, nas poucas frases que conseguia formar em uma conversa, me perguntou se eu voltara ou se estava só de passagem. Não fiquei muito, logo saí de sua casa e voltei para o domingo ensolarado dos trabalhos. Mas a frase me cutucou, ficou na minha cabeça.

Numa sexta-feira seu sobrinho chamou todas as irmãs e amigas para visitá-la. "De hoje a velhinha não passa". Foi um dia de gargalhadas em que Ina falara muito mais que o de costume. Estava corada, estava bem. Nada a pensar a não ser alarme falso.

No dia seguinte eu estava longe. Me ligaram no meio da viagem. Tia Ina se foi. Já era esperado, então perguntei como. E fiquei feliz ao saber.

Naquela manhã acordou disposta. Saiu da cama e resolveu tomar café na companhia de todos, sentada à mesa. Estava alegre e conversou carinhosa, como quem se despede. Voltou a deitar-se e não chamou mais. A hora chegou.

Um comentário:

  1. Porra!
    Todos devem ir um dia. Se eu pudesse escolher, escolheria ir assim. Em mais um dia feliz.
    =)

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